domingo, 1 de junho de 2008

O Espetáculo continua...

10-05-08 às 12:05h
Minhas crônicas do Portal
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O caso Isabela Nardoni reflete aquilo que em 1967 foi dito por Guy Debord sobre a sociedade do espetáculo. Espetaculariza-se tudo hoje em dia. Tudo é motivo de noticia até os mais íntimos segredos de um lar torna-se para o mundo achaque sensacional de uma grande manchete, onde cria-se oportunidades tira-se proveito, ou melhor, lucro do objeto posto em exposição.

Isabela é um, dentre milhares de crimes hediondos, ocorridos contra crianças, com uma diferença, esse crime não veio das camadas menos favorecidas, Isabela não é filha de proletários, mas ostenta a égide do brasão burguês. Digo isso porque concomitantemente a esse acontecimento, surge o caso de uma garota enterrada no quintal de sua casa, mas que ninguém deu muita importância. Isso vem ratificar o descaso aviltante que faz a Rede Globo, com os crimes contra as classes econômica e socialmente inferiores.

Mas, por que o caso Isabela está há dias, meses, diariamente na TV? A resposta nos remete a avaliação do que a ideologia positivista de Augusto Conte nos induz: a manutenção da ordem burguesa. É evidente, que fora dessa ordem, devem ser punidos os que ousam afrontá-la. A burguesia tem seu status que não deve ser corrompido. É só nos reportar ao assassinato de Tim Lopes em 2002, jornalista da Rede Globo, que foi esquartejado e queimado, no morro do Alemão no Rio de Janeiro, em pleno exercício da profissão.

Esse é um fato a ser compreendido, no mesmo nível do Caso Isabela Nardoni, ambos mexerem com uma camada social importante, diga-se de passagem, estabelecida; uma pela desestruturação da ordem, e a jornalística é intocável, se essa onda pegasse, os âncoras da TV globo estariam marcados; a outra pela manutenção da família ou seja a moral e os bons costumes devem permanecer, independente de qualquer louco que queira desrespeitar essa resolução.
Não é o crime em si que tem que comover a população brasileira, mas o fato de se constituir num elemento novo, capaz de modificar valores sociais culturalmente construídos.

Mas, o espetáculo continua... O quebra-cabeça foi se constituindo e o público foi se oportunizando, por aqueles que pretendiam ter seus cinco minutos de fama, pelos que pensaram em tirar lucro da trágica situação, pelos que falsificaram, inclusive a sua realidade para justificar a palhaçada fomentada frente às câmeras, os que deram seus recados...convenientemente, os que estavam na simulação do crime, como espectadores ou como expectadores, também simulavam a sua verdade.

Como diz Debord: A "nova realidade" não é nem contemplativa nem objetiva; ela é "falsificação do real(...) "O espetáculo tem os meios de falsificar tanto a produção quanto a percepção.”
“Os meios de comunicação de massa - diz o autor - são apenas a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores".

“O espetáculo se constitui a realidade e a realidade o espetáculo. Já não se tem um limite definido para as coisas.”
Onde começa uma e termina a outra quem diz é a publicidade, o termômetro que valora a notícia, o produto, a imagem. Muitas vezes essa realidade é toscamente confundida... A vida das pessoas está muito exposta, com essa tecnologia invadindo os lares, ficamos diante de um conglomerado de informações desimportantes que vão se acumulando como o lixo do mundo até quando chegar o dia em que não teremos mais espaço para amontoá-los.

Até porque tudo vira lixo: informações, conhecimentos, matérias, natureza, e até pessoas são tratadas como detritos, como é o caso da Isabela que foi despejada pela janela, como coisa que se joga fora, porque não serve mais... “Não se atira uma criança pela Janela...” Disse a doutora Threza Pena Pirme aos professores de Pedras de Fogo-PB. Criança não é objeto que se tem até o dia em que passa a ser um estorvo...muito pela contrário ela é para sempre... pois o que fica dessa vida são apenas os sentimentos que alimentamos uns pelos outros, sejam de nossa família ou não.

Precisamos aprender a envelhecer com nossos filhos, nossos jovens, nossos(as) avós, nossos animais, porque o amor se fortalece na convivência, na interação e ai, inadvertidamente, as pessoas jogam o seu cão na rua ...Como se ele não nutrisse nenhum sentimento pelo seu dono ...Joga sua filha pela janela; sua mãe num asilo, ignorando-a enquanto “ser” que gerou a sua própria família. Aí, faltam as considerações, o respeito, a educação doméstica, as orientações da família, no seu sentido mais completo, da escola, e até da igreja...

Digo até, porque antigamente as pessoas tinham o paradigma: Deus. Temiam os castigos divinos, as crianças iam à Igreja aprender os dez mandamentos... Hoje em dia há um certo distanciamento desse referencial que de uma forma ou de outra servia como parâmetro social...Mas isso é uma historia ambígua, até porque a “Igreja” também fez mau uso do nome de Deus, acarretando muitos descalabros na vida social da Idade Média e Moderna respectivamente.

Mas, hoje a tecnologia vem substituindo o homem, a afetividade, o sentimento, os sentidos como: o olhar, o cheiro, o toque, a presença viva, real... O enclausuramento, seqüela do alto índice de violência, cria uma inquietação nas pessoas, ficamos sem um paradigma mais humanitário. E, sem modelo para seguirmos, bem ou mal, nosso destino nessa nave terra, ficamos a deriva.

E o espetáculo continua... O casal Nardoni, não se intimidou diante da justiça, o que fatalmente não ocorreria com pessoas das classes subalternas, e mesmo sendo presos eles negam ter acometido o crime contra pequenina Isabela. Mas era preciso comover a população, para que o caso ganhasse fama, mesmo com esse glamour internacional os telejornais acreditam que o episódio entrará na fila dos milhares de casos a serem analisados pela justiça. Porém, não é pela ordem (seqüência) que se dá prioridade, mas pela importância. É o caso de elucidar: “a justiça falha, mas não tarda”.

Isabela Nardoni, será mais um caso que cairá no esquecimento do publico e da justiça, como o foi o da atriz Daniela Perez (personagem Yasmin na novela de Gloria Perez, “ De Corpo e Alma)em 1992, que enleada ao mundo real foi assassinada a facadas, pelo brutamontes Guilherme de Pádua ( Bira, personagem da novela) homem alucinado, sem discernimento para separar o real do virtual mistura-se com o personagem e consegue ser odiado pela nação.

O assassinato de Daniela Perez, da maneira bárbara, transforma-se num espetáculo, comparado ao de Isabela Nardoni em que a mídia comove o publico através de sensacionalismos.
Debord em sociedade do espetáculo, diz que “os meios de comunicação de massa criam (...) uma realidade própria para que a sociedade se solidarize e crie novos critérios de julgamento e justiça conforme os seus conceitos manipuladores.”

Essa manipulação de opiniões faz com que a população, sem refletir, faça justiça antes da hora e/ou com as próprias mãos.
Casos como esses, com celebridades e pessoas de classe social abastada são os mais difundidos no meio televisivo. E de forma especial pela Rede Globo.

"Debord diz que o espetáculo consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias - tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia.”

Longe de protagonizar o grande filosofo Platão, e diante de um mundo sem saída, passo a crer que vivemos numa caverna e, sendo o lugar mais seguro, só sairemos dela para uma outra menos segura ainda, porque o desconhecido amedronta, mas precisamos nos desprender das ramas alienantes, que nos restringe a um espaço circunscrito. A terra tornou-se pequena demais para o ser humano. E nós somos protagonistas de nós mesmos.

O caso acabou, mas o espetáculo continua...

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imagem TransD

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